sexta-feira, 25 de março de 2011

Entrevista: Fred Andrade


     Dono de um estilo que valoriza sua produção local, o guitarrista, violonista, compositor e professor Fred Andrade é um exemplo para a nova geração e mostra a vastidão da aplicabilidade que a guitarra possui. Dedicado à sua carreira solo há 11 anos, Fred navega pelo frevo, blues, jazz e rock mostrando maestria em sua obras, que servem de verdadeiros estudos para aqueles que valorizam a técnica a favor da musicalidade. Tal fato fez com que o músico ganhasse notoriedade, participando de várias Expomusic, uma das principais feiras de música da América Latina, com a presença de grandes artistas, nacionais e internacionais.
     Fred também já esteve presente em edições da revista Guitar Player e, recentemente, lançou o DVD Guitarra Pernambucana (que você compra clicando aqui!). Confira a entrevista que o mestre concedeu ao blog Ouvido Interativo:

Você começou os estudos com o rock, depois foi para o violão clássico, para o jazz e, depois, foi atraído pelo frevo. Quais são suas principais influências nessa viagem por estilos?

Poderia passar horas falando sobre músicos que me influenciaram. Comecei ainda muito novo tocando rock. Page, Beck e Tony Iommi viviam rodando no meu tocador de vinis. No jazz curti e curto muito Joe Pass, Django, Parker, Coltrane, George Benson... Nos frevos de rua os compostores que me chamam muito à atenção são Levino Ferreira, Nelson Ferreira, Carnera, Clóvis Pereira, Zumba. Na música erudita sou apaixonado pelos impressionistas. Nomes como Debussy e Ravel nunca faltariam em minha lista de preferências. Sou também apaixonado por Villa Lobos e Igor Stravinsky.

Quantos álbuns você possui? mesmo no primeiro, o frevo já se mostrava como influência clara?

Os cds são Ilusões a Granel (2000), Mandinga ( Parceria minha com o batera Ebel Perrelli em 2002), Guitarra de Rua (2005), Farra de Anjo (2006), Noise Viola (com o grupo De nome Homônimo em 2007), Pele da Alma (2009); Acho que mesmo no Ilusões a Granel que é um disco bem mais Rock and Roll que os demais, já ficava claro o rumo que meu som iria tomar. Nele toco músicas como Sofrendo Baixinho e MaracaChadd, que já contém todos os elementos rítmicos e melódicos que mais tarde norteariam minha carreira.
  
Quais músicas você indicaria como uma espécie de "audição obrigatória" de frevo?

Último dia (Levino Ferreira), Duda no Frevo (Senô), Freio à Óleo (Zé Menezes), Luizinho no Frevo (Clóvis Pereira), Frevo da Meia Noite (Carnera), Gostosão (Nelson Ferreira), Perguntas e Respostas (Zumba), Picadinho (Artur Gabriel). Isso só pra citar alguns clássicos...



No dvd "Guitarra Pernambucana", existe uma música chamada "Tem um Beck aí?", onde encontramos trechos numa pegada blueseira e outros numa linguagem modal.
A música faz referência à Jeff Beck? Como ele influenciou seu modo de tocar?

A principal contribuição desse guitarrista pra mim é o fato dele construir seu som com poucos artifícios (pedais de efeitos, etc.). Tudo em Beck é muito orgânico e feito com as mãos e isso me fascina. Acho importante construir um solo estruturando-o como um texto para uma redação. Tem de ter um motivo inicial (tema), desenvolvimento e conclusão. Parágrafos devem ser abertos quando  necessário e o cuidado com a pontuação é fundamental. Beck tem tudo isso de sobra.

Algumas de suas músicas, como "Pau na Caneca" e "Febre do Rato" são bastante difíceis de serem executadas, servindo como verdadeiros estudos de técnica seja para a digitação da mão esquerda, o treinamento de escalas modais, como o lídio ou para aprimorar a palhetada.

Constantemente alunos me pedem para que eu mostre esses temas durante as aulas. Com certeza eles o fazem pela questão técnica que vislumbram nas mesmas, mas aos poucos também vão também entendendo outras nuances dessas composições. Pau na Caneca por exemplo, é um frevo com uma estrutura totalmente atípica do ponto de vista formal. Além disso esse tema tem melodia extraída do modalismo, o que não é nada comum no frevo. Fico muito feliz em poder fazer algumas músicas que sirvam de estímulo para estudos de sincronismo entre palheta e mão esquerda, mas que também possam falar algo mais inusitado.

Quais as similaridades harmônicas e melódicas do frevo com o jazz e o rock?


Nenhuma!! O frevo é uma música tonal, enquanto no Jjazz e no rock você tem algumas misturas entre os mundos tonal e modal. Na verdade, o que assusta no frevo é a velocidade e os tempos  que se encadeiam os acordes. Inclusive é importante frisar também que essas harmonias tradicionalmente são subliminares, pois ocorrem através do emaranhado resultantes das perguntas e respostas provocados pelos metais e palhetas. Não é necessário nenhum instrumento harmônico nas grandes orquestras.

Encontramos em mestres como Hermeto Pascoal um "regionalismo sofisticado", onde o baião, xote,etc. estão presentes, porém encontramos também cromatismos, harmonias sofisticadas e compassos "quebrados" (misto, misto composto, etc..). Quais cuidados um guitarrista que está começando a se interessar por frevo deve tomar para trazer a música para o seu universo sonoro, permanecendo dentro do estilo?

Sinto que o maior desafio é introduzir elementos que identifiquem o frevo em outros gêneros musicais sem precisar distorcê-los. Isso ocorreu com o blues. Sua linguagem foi difundida quando se encontrou e se misturou à outras prais sonoras de uma maneira bem sutil. Cada vez que  as pessoas dizem: Isso é meio blues (está soando blues), mesmo sem ser o estilo  principal daquele momento, penso que o blues ganha muitos pontos. Tenho mostrado aos alunos que isso é completamente fazível e que com o estudo fraseológico em cima da nossa música principalmente no que condiz as inflexões a gente pode chegar lá. Quero, antes de morrer, poder tocar um standard de jazz improvisando à minha maneira e  ouvir: "Olha, isso é meio frevo não é?". O grande barato é saber dosar os ingredientes que serão utilizados para as receitas.

Você pretende lançar uma viodeaula ou outra espécie de material didático?

Uma vídeo aula no sentido estrito da palavra não. O que pretendo fazer é a continuação desse primeiro DVD (Guitarra Pernambucana) que lancei ano passado. Nele existem algumas explicações e conversas informais sobre música, que podem clarificar o ouvinte sobre algumas coisas , mas o enfoque principal sempre é o "tocar". Pretendo sim terminar um livro que comecei já há bastante tempo. Esse material consiste num Songbook de vários frevos de rua de minha autoria e algumas frases com divisões características do gênero. Ainda tô segurando um pouco, pois quero disponibilizar esse material junto com outro cd meu que também está na agulha chamado Guitarra de Salão.




Quais são seus projetos atuais?

Lançar 3 cds que já estão concluídos e o livro de frevos.

Qual o equipamento que você utiliza em shows?

Eu uso uma guitarra signature que é a JC 160 Angel FA da Condor. Tenho dois Boards (PB12 da Landscape) . Num deles figuram o Box Of Rock da Zvex, o Reel Echo da Danelectro e o BOG que é um Fuzz da Deep Trip. Meu outro setup tem os pedais da Landscape que são o Echo Delay e o Organic Drive, além de um BB preamp do Xotic.

Em algumas músicas do DVD, encontramos instrumentos como o violão tenor. Você já faz as composições pensando na tocabilidade do instrumento ou adapta à ele por questões timbristicas?

Eu  possuo muitos intrumentos de corda. Tenho guitarra portuguesa, banjo, violão tenor, bandolim e vou compondo uma coisa aqui outra acolá especificamente para esses instrumentos, mas não ouso dizer que sei tocar de verdade nenhum deles. É uma coisa esporádica mesmo, mas que acho que dá uma boa dinâmica ao trabalho.

Vivemos uma atualidade onde a música digital está bastante presente no palco, corrigindo notas erradas, harmonizando uma melodia simulando outros instrumentos em MIDI(VSTs) ou amplificadores, timbres de guitarras famosas, efeitos (chorus, delay)virtuais, etc. Até que ponto você acha que o artista deve ser influenciado pela tecnologia atual? Soa mais "orgânico" fazer as músicas sem estes recursos?

Uma coisa que aprendi com o passar do tempo é que quanto menos processamento melhor para a música. Que tal ensaiar mais ao invés de ficar editando no estúdio, não é?

Quais artistas brasileiros você apontaria como grandes expoentes da música instrumental?

Heraldo do Monte, Hélio Delmiro, Guinga, Robertinho de Recife. Indo lá pra trás quero registrar minha admiração pelo maior instrumentista brasileiro de todos os tempos que foi o Garoto. Esse sabia tudo e mais um pouco!!

Pernambuco nos dá um exemplo de sociedade que valoriza sua cultura, o que geralmente não acontece em outros estados nordestinos, a excessão da Bahia. Porque, em uma região de cultura tão bela a sociedade vira as costas para a produção local e força artistas a irem morar no sudeste para tentar se destacar com a mesma arte que produzem aqui?

Infelizmente as gravadoras, revistas e tudo que se refere à indústria artísticofonográfica se concentra  lá embaixo do país. A realidade muda aos poucos (principalmente pelo fato das gravadoras quebradas), mas o processo é lento mesmo.



     Fred é professor do Conservatório Pernambucano de Música e do IFPE, na cidade de Belo Jardim, possui endorsement das guitarras Condor, produtos Landscape e cordas SG e tem vasta experiência em trilhas e jingles.

Contatos:

website oficial: http://www.fredandrade.com

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