sábado, 16 de julho de 2011

Entrevista: Vitor Pirralho




     Dono de um estilo galgado em conceitos literários da antropofagia cultural, Vitor Pirralho foge ao comum e quebra as barreiras do gênero rap passeando por entre ritmos musicais construídos sob sua prosa afro - indígena. Resultado que levou o artista a cair nas graças de músicos respeitados no cenário nacional, como Zeca Baleiro, Ney Matogrosso e Pedro Luiz.
     Com sua banda, Unidade, Pirralho lançou seu segundo álbum, Pau-Brasil, baseado na tríade índio - branco (português) - negro, fugindo assim da temática tradicional do rap e tornando o estilo mais "abrasileirado" do que nunca. Confira na íntegra a entrevista do canibal ao Ouvido Interativo:

     Quais são as influências responsáveis (livros, filmes, música, etc.) por te moldar como artista?

     Cara, desde pequeno gosto muito de Literatura. Quando conheci a Literatura Modernista fiquei fascinado! Gosto muito de poesia (Oswald de Andrade, Paulo Leminski, João Cabral de Melo Neto, Vinícius de Moraes etc.), gosto de prosa também (Luis Fernando Veríssimo, Graciliano Ramos, Gabriel Garcia Marquez, Guimarães Rosa, Franz Kafka, Marcos Bagno, George Orwell - principalmente sua obra-prima intitulada 1984 - enfim...). De filmes eu gosto muito dos filmes de Almodovar, de Woody Allen, de Tarantino, da trilogia O Poderoso Chefão - filmes que trazem o conceito sobre família (na verdade, o cerne dessa trilogia não é a máfia como muitos pensam) e meu filme preferido chama-se Assassinos por Natureza, um filme de Oliver Stone e história de Quentin Tarantino.
     No que diz respeito à música, eu gosto muito da nacional, de Chico Buarque a O Rappa, de Raul Seixas a Reginaldo Rossi, de Paulo Diniz a Chico Science, de Gerson King Combo a Max de Castro, gosto muito da estrangeira dos anos 70, black music, funk, soul, disco, aí eu piro! Nesse meio entra Michael Jackson também, que é o responsável por despertar em mim o interesse mais profundo em me relacionar com música.
   
     Quais as diferenças sonoras de seu trabalho anterior, Devoração Crítica do Legado Universal para atual, Pau-Brasil?

     O primeiro disco tem menos instrumentos, a produção dele é mais reta, mais rap mesmo, adicionamos mais músicos no segundo, o que automaticamente faz com que este já seja mais musical. E acho que o segundo é mais maduro também em conceito, consegui literariamente amarrá-lo melhor no conceito do Manifesto Antropófago, trazendo ele para o nosso contexto, claro. O primeiro tem essas abordagens também, mas creio que de forma mais aleatória, não tão conceitual como consegui fazer no Pau-Brasil.

     Sua arte foge da abordagem do rap tradicional, abordando a ótica indígena. De onde surgiu a idéia/necessidade de construir e se comunicar pelo manifestopi?

     Pois é, por gostar muito dos conceitos oswaldianos de antropofagia, devoração da cultura alheia, baseados no ritual canibal indígena, decidi fazer meu rap dessa forma, fugindo ao tradicional, tentando modernizar, tentando me pôr numa vanguarda dentro dessa linha musical. O próprio rap em si eu creio que já se apresente como antropófago, mas quem faz rap não sabe disso, pois se os conceitos antropófagos são de devorar a cultura alheia, o rap feito em português é isso! A cultura do "inimigo" adaptada à sua própria cultura, falada em sua língua, e não na língua de origem dessa arte. Antropofagia, brother! E, no caso de eu tentar elucidar essa questão, isso me põe um passo à frente a meu ver, pois o rap sempre se dispôs a ser o som dos oprimidos, então as periferias, os descendentes escravos se utilizam deste instrumento para buscar seus direitos, tudo bem... mas, será que esquecemos que antes da História de repressão aos negros aqui nesse país vem a História de repressão aos índios? Quem são os verdadeiros habitantes nativos do Brasil? Né não? E o manifestopi é um blog que uso para divulgar as coisas da minha música e também outras coisas de minha produção literária que não são produzidas para se tornarem música, então vi no espaço blogspot uma alternativa de publicar esses escritos.



     Você mistura a prosa do rap com a musicalidade brasileira, seja do nordeste ou de outras regiões. Tal fato trouxe notoriedade e chamou a atenção de músicos consagrados do nosso país, ganhando, inclusive, a alcunha de genial por Ney Matogrosso. De onde sugiu a idéia de fazer esse tipo de som?

     Acho que sim. Quando se foge do tradicional sempre se chama atenção. E na minha cabeça, por não ser preso a um estilo apenas, não faço parte de movimento dogmático algum, não faço parte de religiões, sou um artista, e arte não é dogmática nem religiosa, tento sempre misturar. Gosto de mistura, gosto de sincretismo. A ideia de fazer esse tipo de som é essa, sempre no conceito antropofágico.
     Pode ser que surja um questionamento de que tudo é antropofagia pra mim e que dessa forma eu tome tal conceito como meu dogma, mas esse conceito traz a ideia justamente de se desprender dessas questões fixas, de fazer uso de todas as culturas, de todas as artes, de se apropriar do que não é seu, se for pra tornar sua arte melhor, mais rica, então se essa é minha religião que seja, pois ela é pagã e promíscua e não tem um Deus. Nós, os antropófagos somos nossos próprios deuses e diabos, e, na moral, nós preferimos ser do jeito que o diabo gosta! (risos).

     Sua música tem alçado vôo pelo Brasil, te levando inclusive à capital do país. O público brasileiro do rap tem se mostrado aberto à essa mistura que é Vitor Pi e Unidade?

     Isso é muito legal, poder viajar pelo Brasil através da viagem sonora e literária. E quanto ao público brasileiro como um todo posso dizer que tem recepcionado muito bem, tem assimilado, tem se deixado experimentar, mas quanto ao público especificamente do rap, nem todo mundo se permite...

     Como é o processo de composição das músicas?

     As letras, a literatura de nossos sons, são minhas. Quando escrevo as letras, eu escrevo pensando como deve ser a música, então passo para meus companheiros e eles traduzem minha ideia, tenho uma boa equipe comigo, e esse processo se dá principalmente com o Tup, mando a ideia da música pra ele e ele cria a estrutura no computador, passamos para os outros músicos e eles arranjam o resto, é como um time, a defesa é a cozinha que segura a onda, o meio campo é a criação, e eu no ataque só enfiando as ideias na cabeça de toda trupe! (risos).

     Sua carreira já reúne premiações, reconhecimento de grandes artistas e shows pelo país. Qual momento dela você considera especial?

     As premiações são iradas, as viagens pelo país são iradas, mas acho que os momentos mais especiais são os de reconhecimento mesmo. Tanto de grandes nomes quanto de anônimos, e esses momentos a gente vive dia a dia. Isso é o melhor de ser artista, poder proferir sua arte e que ela possa ser consumida, devorada. Isso é muito massa!

     Existe o pensamento de lançar um registro em vídeo?

     Nós registramos o show de lançamento do disco Pau-Brasil, mas ainda não editamos, não trabalhamos o vídeo, mas vai rolar na sequência. Fora isso, temos idéias de alguns outros registros, como videoclipes oficiais e alguns outros projetos voltados especificamente para registro áudio-visual de nossa trajetória. Pra prosperidade... Aguarda aí...  

     Quem é músico e alagoano sabe a dificuldade que temos em conseguir espaço, já que o pouco que existe é ocupado por bandas que atuam em cima do interesse de boates e bares. Assim, grandes artistas são condenados à ter um "emprego seguro", fazendo da música segundo plano, ou suprimir sua produção para atuar em bandas cover. O que seria necessário para inverter essa situação e tornar a terra "fértil" para nossos artistas? falta apoio?

     De uma forma geral, a pergunta já vem carregada de uma resposta para essa problemática, a falta de apoio, de lugares onde tocar, de espaço na mídia mesmo (rádio e TV), fazem com que tenhamos que nos submeter à certas circunstâncias, e para quem encara a música como trabalho, o modus operandi é esse mesmo, temos que ir onde tá a remuneração pelo trabalho feito.
     O que falta para tornarmos nossa terra fértil? Adubo! Esse adubo seria uma guinada nacional em Alagoas. Deixar de ser o Estado medíocre que somos perante o resto do país (em todos os aspectos - social, político, educacional), deixar de ser o Estado APENAS do turismo, temos que associar a riqueza natural à riqueza cultural, temos que vender nossa cultura (que é vasta demais, diga-se a título de informação), mas até então nós a ofertamos pro mundo como souvenir. Esse pensamento menor tem que acabar! Temos que mostrar que somos grandes para que, dessa forma, não precisemos ir vender e sim fazermos com que os compradores venham buscar na nossa fonte. Sei que esse pensamento flerta um pouco com um devaneio filosófico utópico, mas concretamente é isso: ao invés de inveja, de querer ser melhor que o outro, se unir, sermos bons juntos, nos organizar, nos associar e criar possibilidades reais de deslanchar, todo mundo, artistas, empresários, mídias, governo, enfim, todos os segmentos, irmão!

     Temos um exemplo em Pernambuco, de um Estado "aqui do lado" que preserva suas identidades, manifestações populares e instiga artistas à mesclarem a música regional à seu estilo. A força da música que surge como resultado é tão forte que artistas constantemente são produzidos e ganham espaço nacionalmente, tanto na música de mainstream, com Lenine, Geraldo Azevedo e companhia, quanto na música underground de Mombojó, Mundo Livre SA e etc. Em Alagoas, terra de Djavan e Hermeto, temos a tendência de valorizar aquilo que vem de fora e não a arte local. Porquê?

     Acho que pra te responder isso eu repito a resposta que dei à pergunta anterior. Pernambuco chegou nesse estágio que sugeri que nós alagoanos façamos. Eles têm força midiática, força a nível nacional. Então quando surge qualquer besteira que seja de PE já se bate o olho porque é de PE, entendeu?      
     Eu sei bem como é porque toda minha família, materna e paterna, é pernambucana, e eu cresci minha vida toda lá, minha formação educacional e cultural é de lá, e sei de perto que é forte mesmo! Voltei pra morar em AL quando já tinha 19 anos. Mas mesmo tendo sido criado lá eu sempre busquei estudar e estar em contato com a cultura de onde sou oriundo, a cultura alagoana. Por isso costumo dizer que sou “alabucano” (risos). O som que faço é universal, mas tem formação nas raízes nordestinas, pernambucanas e alagoanas principalmente, afinal, tudo que é universal é proveniente de alguma região. E eu não medirei esforços no que eu puder contribuir para que a cultura do Estado de AL, que prezo tanto, deslanche. 



Contatos:

Pedro Ivo Euzébio
Telefone: + 55 82 8824 1313

shows@vitorpi.com.br

Vitor Pirralho na web:



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